Caía a
chuva, fina, num fim de tarde nublado. Havia, ainda, muita chuva para cair. Ao
contrário do que se poderia imaginar, não era um clima ameno, nostálgico, mas
um mormaço de matar. O momento não-ideal para qualquer situação sentimental.
E lá estava
ela. Firme. Lutando contra uma multidão que ia e vinha ferozmente de todos os
lugares possíveis – como zumbis famintos, desejando algo irrefutavelmente fútil,
ao invés de cérebros: caixas, sacolas, lembranças, presentes. Para o “Dia dos Namorados”.
Ninguém se
intimidava com a chuva, que aumentava ferozmente. Enquanto ela seguia pelo meio
do calçadão, molhando-se da cabeça aos pés, outros se protegiam com capas,
sombrinhas e guarda chuvas. Enquanto ela sentia a chuva acariciar o seu corpo,
outras se apinhavam em marquises, toldos e tendas. Enquanto ela dançava de
corpo e alma com a melodia dos pingos, o turbilhão de consumidores selvagens não
encontrava lugar suficiente nas filas das lojas, nas vagas de estacionamentos,
nos corredores abarrotados de “promoções”. Queriam comprar, comprar e comprar algo
para seus pares – que também deveriam estar fazendo a mesma coisa. Um caos. Completo.
Mas o
sentido de completude, nesse caso, era encontrar o presente ideal. – Que absurdo! – Pensava ela, tão
centrada e solteira, quase um antídoto para tamanha falta de bom senso. Até os
mais românticos e experientes deixavam-se levar por hipnóticas promoções, do
tipo: “compre três, pague dois!” – Quase
sugerindo o terceiro item como um paliativo para amantes e afins. Tudo
milimetricamente pensado. Tudo marketing sentimentalista. Uma armadilha letal.
Um consumismo amoroso. Criminoso. Carnívoro. Insaciável.
Ela podia estar
em outro lugar. Um BAR. Não. Nesse dia, bares transbordam de solteirões
abalados que mais se embriagam de solidão do que de álcool. A ressaca – moral –
é sempre maior. E dura mais tempo. Um SHOPPING. Não, não, não. A grande
quantidade de pombinhos agarrando-se e beijando-se incansavelmente, como se suas
bocas fossem balões de oxigênio, só a fariam perder o fôlego. Um RESTAURANTE.
Talvez. Até sentia fome. Mas a estranha sensação de que todas as mesas abrigariam
casais enamorados que enxergam a comida – dos pratos – como entrada para uma
refeição a posteriori – na cama – só a
faria perder todo e qualquer apetite. É. Não dava. Melhor andar pela cidade. Sem
rumo. Apenas em companhia da chuva.
Quem a descobrir poesia, terá mais do que uma pessoa prosa. Terá
boa companhia. Risadas gostosas. Muito amor. Muita alegria. Não menos que isso.
Não caberia. Na morada que lhe faria. Independente de data. Comemoração.
Situação. Porque todo dia é dia dos namorados.
(Guilherme Ramos, 12/06/2013, 23h59.)
[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]
Imagem: Google.
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