Estou precisando amar de novo. Mas aquele amor que tudo vale,
tudo faz e tudo consegue. Não esse sentimento-produto que vendem nas lojas de
conveniência. Esse tem validade curta, possui estabilizantes, acidulantes, corantes
e substâncias nocivas não só ao corpo, mas também à mente, à alma e às emoções.
Preciso de um amor natural. Homeopático. Porque de amor
alopático, antipático, antiprático, o mundo está cheio. Cansei de consumir amores-outdoors,
amores-revistas, amores-reportagens, amores-entrevistas, amores-fachadas, amores-desamores,
amores-sem-amores, amores-pagos, amores-tragos, amores-goles, amores-delivery, amores-viciosos,
amores-não-amores, amores-manipuladores, amores-e-suas-dores. Enfim, tudo que
há de maior demanda e preço baixo, sem a menor intenção de qualidade ao
consumidor.
Mas quem quer servir amor? Consumir amor? Degustar amor?
Digerir amor? O amor-produto só me deixa em luto, cada vez que passa por mim. É
atraente, beneficente, benevolente, mas pode ser incoerente, indecente e
indolente. Não é amor. É até um falso-fazer-amor. Manufatura sentimental
resultante de trabalho escravo. Onde apenas um lado se beneficia e o outro só
se humilha em prol da própria subsistência.
Nesse mercado agoniante e agonizante, lucra o empresário-amante
que domina o jogo. A sedução se faz como um comercial de bebida. Como uma
propaganda de comida. E atrai mais e mais seguidores nas redes sociais. Curtir
alguém, compartilhar alguém, comentar sobre alguém é mais importante que amar
alguém. Por que amor virou mercadoria. De péssima qualidade. Quem quer comprar
algo que se desvaloriza com o passar da idade?
Quando eu era criança, amar era o objetivo de mais da metade
do mundo. Mas as crianças cresceram e não querem mais esse brinquedo. Querem
ser adolescentes da infância e adultos na adolescência. Suas vidas tem pressa.
Sua pressa tem sede. Tem fome. Tem desejo. De consumir uns aos outros como a si
mesmos. Sem sobrar nada para nenhum dos envolvidos.
Houve um tempo que amar era a coisa mais importante do mundo.
Nesse tempo, o amor era artesanal. Cada peça era feita manualmente, por pessoas
capacitadas pelo notório saber. Mestres do amor e do amar, distribuíam suas
obras de arte sem restrições e, a cada nova venda, doavam seus lucros para os
mais pobres. O que era uma atitude das mais nobres.
Assim era o amor em tempos de glória. Uma glória esquecida e
coberta por anúncios de jornais – que vendem corpos e almas a prestação e
cartões de crédito. O financiamento do corpo tornou-se a mais nova moeda de
troca. Troca-se um não-sentimento pelo não-comprometimento. Troca-se um breve
momento, por lembranças falsas e fúteis do desejo realizado apenas por
realizar. Um transar por transar.
Em suma: o amor-moeda desvaloriza e a inflação-solidão domina
amantes do primeiro ao terceiro mundo. Porque – ninguém se engane – ninguém
vive sem amor. Tal qual água, direto da fonte, o amor é livre para ser provado.
Conscientemente. Consumido predatoriamente, aleatoriamente, discriminadamente, qualquer
poça, poço, oásis, rio, seca. A vida vira deserto. As cidades-relacionamentos construídas
ao seu redor, são abandonadas. Viram cidades fantasmas. Seus cidadãos deixam de
existir, por mais que estejam vivos. Tornam-se nômades deles mesmos.
Haverá um dia que o êxodo emocional será eminente. Ninguém nutrirá
sentimentos, para não sofrer. Virão geadas, tempestades e outras intempéries
sentimentais até sua extinção antinatural. Os hormônios artificiais acabarão
com a libido e tudo não passará de teorias científicas desacreditadas pela ciência.
O amor deixará, finalmente, de ser produto para ser apenas teoria.
Mas pouco aceita na academia. O amor será objeto de estudo. Apenas isso. Até
que nem isso. O amor será apenas uma palavra. Quatro letras. Sem nenhum
significado. O amor será uma lenda, uma história, um pecado. Uma fruta. Proibida.
À disposição. Uma tentação. De proporções bíblicas.
Até que alguém precise amar de novo...
(Guilherme Ramos, 20/03/2014, 01h08.)
Imagem: Google.
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