Não importa que a tenham demolido…
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.
(Mário Quintana)
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.
(Mário Quintana)
Hoje, por um acaso, estive na rua em que morei por mais de 20, 30 anos. Num diálogo simples, sem muita pretensão, vi-me observando algumas residências. Eram poucas, já que, a maioria, tornou-se edificações comerciais, resultantes do perfil do bairro (Levada, Maceió/AL): depósitos e mais depósitos.
Estava eu em frente à minha (antiga) casa (Rua Conselheiro João Alfredo, também conhecida como “Rua da Vitória”. Ambas com o “nº 62” e o “CEP 57.017-080” . Podem localizar no Google Maps). Tudo mudado. A fachada já não é a mesma. Sedia (hoje) uma companhia de teatro. Ao redor, muitas (outras) mudanças. Apenas seis casas continuavam (aparentemente) as mesmas: três com moradores, três abandonadas. Seus proprietários haviam percebido que o bairro deixara de ser residencial, transformara-se em comercial e deram o fora. Assim como eu.
Mas “uma” casa me chamara a atenção. Ficava quase em frente a minha (antiga) casa. Acho que o número era 68. Lembro-me, quando eu morava naquela rua, ela pertencia a duas senhoras, com sua filha. Eram tempos interessantes. As “proprietárias” tinham muito zelo com a fachada. Sempre que as festas populares se aproximavam, novas cores apareciam, novos enfeites surgiam (bandeirinhas de São João, a estrela-guia do Natal, entre tantas que nem me lembro).
Mas hoje, com o falecimento delas, muita coisa mudou. Como era de se esperar, a herdeira vendeu o lugar e procurou algo melhor pra criar seu filho (assim como tantas outras pessoas.). Não tenho o que reclamar. Também saí da rua e fui pra outro canto.
Meus motivos foram outros. Apenas saí. Mas voltava sempre, já que fazia parte da Cia. de teatro. E, nessa noite (26/05/2009), estava olhando inocentemente a rua e refleti: seriam as pessoas como as casas que abandonamos?
Por que penso isso? Vamos aos fatos. Ao olhar as fachadas, percebi o abandono que lhes restaram. Não seriam, assim, as pessoas? Explico. Quando vemos fachadas abandonadas, agredidas pelas intempéries, não poderíamos comparar com os aspectos das pessoas que nos rodeiam? Vou além: fachadas a parte, o que restam dessas residências? Mesmo as fachadas “acabadas” (como qualquer pessoa com a idade), o que escondem “dentro” de si?
Arquitetonicamente, lembro de uma sala de estar, luxuosamente decorada com motivos internacionais – as antigas donas viajaram o mundo inteiro, seguida por um corredor (comum às casas coloniais), portas à direita (quartos), outro estar (com um piano de armário que até hoje me arrependo de não ter comprado – pois o mesmo foi destruído por cupins e jogado fora), cozinha, copa, serviço e outras dependências comuns à casa da mesma época.
Hoje, sem paredes internas, é apenas anexo em um depósito de um ponto comercial. Paredes de um passado glamouroso deixaram de existir. Não seriam, assim, as pessoas? Deixam-se levar (e devastar) pelo progresso-futuro-sei-lá-o-quê e destroem-se por dentro, restando apenas uma fachada?
E, essa fachada, mudada pelo tempo, vai envelhecendo, desgastando-se, destruindo-se e transformando-se em apenas mais um nada na lembrança dos outros? É isso o que queremos de nós mesmos?
A fachada ganha rachaduras, fungos, vegetação (sementes trazidas pelos pássaros, presumo) etc. e permanece – como nós, meros transeuntes – de uma história que poucos sabem. Que poucos partilhamos. Mas não queremos esquecer. E nem deveríamos.
E essa é a lição que tiro dessa noite estranha – repleta de lembranças e comparações: somos fachada que resiste ao tempo, mas esquecemos do interior? No que mudamos? No que permanecemos? No que fomos mudados? Será que ficamos iguais e deixamos o “tempo” nos preencher de poeira, mofo e sujeira? Ou será que temos alguém que se preocupou e nos visitou e limpou o interior da casa, por 30 dias, para nos conservar? Ou, ainda, fomos demolidos por alguém que nos vê apenas como “mais um negócio” e – para seu benefício próprio – nos adaptou às suas necessidades? É preciso refletir.
Hoje eu vejo a casa e, ao me aproximar dela, toco sua fachada. Tento sentir o que minhas lembranças insistem em deixar em minha mente: uma casa; um passado; um presente mudado. E me pergunto: estaria EU assim? Ou pior? Apenas lágrimas (sutis, porque não estou para chorar hoje) me respondem às perguntas.
E me pergunto: que perguntas? Terei eu feito alguma? Se assim fizesse (em tempo hábil) não estaria mais tranqüilo quanto aquilo tudo? Ou seria um motivo a mais para questionar mais e mais?
Acho que o amanhã tem a resposta. E ele tem nome. Guilherme. Após dormir, descansar e (tentar) ser um pouco menos passional (talvez) eu possa dar a minha contribuição ao (meu) mundo: cada pessoa é sua casa e cuida dela como pode (ou sabe). Mesmo na ignorância, ainda podemos ser sábios. Basta-nos acreditar no que pensamos; daí, fazemos. E, aí, vivemos (para sempre) a acreditar. Isso basta. A “fachada” dependerá da responsabilidade social de cada um. Quanto melhor, mais. “Tombemos” nosso patrimônio imaterial pessoal. Talvez um novo significado para IPHAN* (Instinto Pessoal de Humanidade e Autopreservação Necessária) possa ajudar. Mas, acima de tudo, é preciso viver e “deixar rolar”.
Eu estou vivendo. Tem gente que não sabe... o que está (se) fazendo.
Desejo reformas e revitalizações para todos em breve. Porque o segredo das construções está no projeto. Depois que as fundações estão no lugar, mudar é difícil. Ou caro. E (quase) ninguém está disposto a investir mais. Daí é abandono e/ou descarte.
Agora, o paralelo: comparando você a uma edificação (talvez abandonada), em qual estágio/estado você está?
Bem, de qualquer forma, boa “reforma”!
(Guilherme Ramos, 26/05/2009, 4h23. Sem – ainda – saber a resposta...)