Acontecia. Simplesmente, acontecia. Não que ela quisesse. Mas
era assim. Sempre. Não havia como disfarçar. Seu rosto, alvo como o mais puro
algodão, ganhava nova cor só em pensar na possibilidade. Grande possibilidade.
Única. Perfeita. Até mesmo para ela.
Era legal. Completamente legal. Mas era mal visto pelas
colegas. – “Coisa de gente sem classe...”
– diziam algumas. – “Loucura total...”
– Diziam outras. Por isso ela não se movia. Ficava na dela. Quieta. Imovelmente
(in)completa. Uma pena, pois seu potencial era sem igual.
“Talvez na semana que
vem...” – Pensava.
Ah! Não! Assim, sua mãe a matava. E ela já desconfiava. Se a pegasse no flagra...
Seria morte certa. Inadmissível para uma jovem como ela, de classe, de família,
ter sua vida manchada dessa forma. Insano. Inaceitável. Impossível.
Soube que uma vizinha sua fez, uma vez. Há mais de vinte anos.
E não parou mais, desde então. Viciante. Devia ser. Como seria? O que fazia?
Não teve chance de perguntar. Sua vizinha nunca mais foi vista. Dizem que
morreu fazendo. Dizem que está fora do país. Dizem que seus pais a colocaram
num convento, na Europa, para acalmar-lhe as idéias. Apagar-lhe o fogo.
Castrar-lhe as esperanças. Eram moças, meras crianças. Precisavam ser
protegidas de si mesmas. Era o melhor a fazer por elas. Talvez, não um
convento, mas um colégio só para moças. Na França. Na Inglaterra. Mas, no Brasil,
não poderia ficar. Cedo ou tarde, se fizesse aquilo, sairia em todos os jornais
sensacionalistas, em revistas de quinta categoria. Não, não. Não poderia. Seu
lugar era na high society.
Mas sua alma pertencia ao povo. Que amava. E aquela brasa,
quase apagada, reacendeu com os noticiários. Com as postagens nas redes
sociais. Com os gritos na rua. Com o seu coração em chamas, gritou, berrou,
esgoelou-se. Como nunca poderia ter feito. Mas fez. Como sempre quis ter feito.
Como brandia a vontade em seu peito.
Saiu de casa às escondidas. Contra a vontade de todos. Foi às
ruas contra a vontade de outros. Mas ao seu lado havia tantos, que tão poucos os
tais outros se tornaram.
Veio a noite. Veio o dia. E ela firme. Inabalável como um
farol em meio à tempestade. As mãos calejaram de tanto empunhar a bandeira da
liberdade. A garganta sangrou de tantos gritos. Seus pais, aflitos, só podiam seu
retorno aguardar.
Porque o amor (por ela) dos pais era verdadeiro. Mas o amor (dela)
pelos demais era sem igual. “Dos filhos
deste solo és mãe gentil...” – Falava, maternalmente, avançando pacificamente
em direção a seus repressores. A cena foi transmitida e retransmitida
adulterada pelos telejornais. E desmentida, discutida, revelada nas redes
sociais. Até que elas caíram. Um profundo e ignorante silêncio se fez no País.
Mas novos gritos – de todas as direções – ecoaram em resposta: “Se ergues da justiça a clava forte, verás
que um filho teu não foge à luta, nem teme, quem te adora, a própria morte!...”
O que era desejo (dela) virou história. A história transformou-se
em lenda. Sua lenda inspirou os mais fracos. Os enfraquecidos fortaleceram-se.
Os fortes tomaram o poder. O poder nunca mais se corrompeu. A corrupção foi
erradicada. A erradicação assolou outras áreas inóspitas. O inóspito tornou-se
hospitaleiro... E, assim, foi escrita uma outra – e nova – história.
(Guilherme Ramos, 20/07/2013, 2h48. Em homenagem às guerreiras e guerreiros pacíficos do nosso Novo Brasil.)
[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]
Imagem: Google.
1 comentários:
Fecharam-se os vinte, então?
Se sim, fechamento mais do que perfeito!!
bju
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