Recebeu
um e-mail. Até aí tudo bem. Todos recebem e-mails. Mas do “ex”?
Como explicar uma coisa dessas? Com mais de sete bilhões de pessoas no mundo,
por que logo ela receberia notícias dele? Já se passaram três anos. Três anos
sem nenhum contato. Nem físico, nem virtual. Sem comentários em redes sociais,
sem SMS, sem telefonemas, sem... contato. Mesmo. Pensava - e desejava - até que
ele tivesse morrido (assim como sua relação).
Imaginou-se
imediatamente num apocalipse zumbi, quando os mortos dominam a terra e comem os
vivos. Não. Não era isso (apesar de muitas pessoas comerem outras, o tempo
todo). Era real. Mas com a mesma carga dramática de um mundo pós-apocalíptico.
Releu
o e-mail. Riu. Enfureceu-se. Chorou. Pensou em apagá-lo. Pensou em
imprimir, só para rasgá-lo. Mas sua consciência ecológica não permitiu. Loucura
desperdiçar uma ex-árvore com palavras tão idiotas. Aquela folha merecia...
prosa, poesia.
Seus
olhos mereciam poesia. Seus ouvidos precisavam das palavras de Drummond,
Vinícius, Leminski, Abreu, Shakespeare, Sade, Bocage... Hum... Pensar naquilo,
sim, dava tesão. E, como sapiossexual de carteirinha, sabia que essa não era a
real intenção.
Refletiu.
Quem era idiota? Ela ou a carta virtual? Como palavras tão idiotas poderiam
tirar-lhe do sério? Como ela poderia se deixar levar por um e-mail
idiota, vindo de um completo idiota, com a mentalidade idiota, num
comportamento totalmente idiota? Era muita idiotice junta!
Pior
ainda era o teor do e-mail: ciúme. Tem algo mais ultrapassado? Coisa sem
qualquer fundamento, afinal foi mulher e esposa exemplar. Amava o marido,
cuidava da casa, fazia compras domésticas, cuidava dos filhos, trabalhava oito
horas por dia, fazia pós-graduação à noite... Ufa! Nem se quisesse, teria tempo
para atividades extra-conjugais. O irônico é que adorava sua família - que mais
parecia a de um comercial de margarina. Ela sempre foi um exemplo. Como poucos.
Mas, como outros tantos, não deu certo. E se separaram. Por ciúme. Dele. Por
isso o e-mail a incomodava mais que o normal. Ele a fazia relembrar dos
maus momentos. Que há três anos fez questão de esquecer. Que, de fato, nada é
para sempre.
A
primeira vez que foi ciumenta com ele, foi um total absurdo. Ele a questionou
tanto sobre a confiança, a cumplicidade, o comprometimento, a ética, a moral e
os bons costumes, a paz mundial e o excesso de feminismo nas relações que quase
se mataram com frases e xingamentos indescritíveis. Mas foi um momento único. E
nunca mais, ela prometeu, nunca mais sentiria ciúmes. Aliás, demonstraria, pois
deixar de sentir, seria impossível. Ninguém controla totalmente seus
sentimentos. Mas sua postura neutra já ajudaria o bastante para que não
houvesse mais desgastes na relação. Foi o mais adulto que conseguiu chegar,
visto que sua alma-criança era o que mais encantava seus pretendentes. Foi,
justamente, essa postura que fez seu marido apaixonar-se por ela. Não podaria
esse seu jeito jovial por ninguém.
Daí,
sucedeu-se a estranha tragédia: ele, que nunca havia sentido ciúmes por ela,
passou a demonstrar todos os seus sintomas. Ridículo. Cenas desnecessárias,
frases irônicas, olhares desconfiados... Celulares, tablets e
computadores não eram mais tão privativos. Isso foi fragilizando a relação.
Diminuindo a paixão. Destruindo o amor. Não houve mais sentido em continuar
juntos. Era questão de tempo para a separação. E assim foi. Há três anos.
E,
agora, esse e-mail. Com os mesmos argumentos, alguns erros de digitação
(ou seriam de português?) para piorar as coisas. Não entendia o porquê disso
tudo, agora. E nem queria mais pensar nisso.
DELETE.
E,
num clique, pôs fim ao incômodo virtual. Engraçado como “delete” lembrava
“deleite”, que era a sensação sentida nesse momento.
BLOQUEAR CONTATO.
Agora,
sim, para sempre. Livre do incômodo do infeliz, estava mais feliz,
naturalmente.
VOCÊ TEM UM E-MAIL.
Outro?
Ah! Mas, dessa vez, do paquera. Coisa atual. Um cara legal, que ela conhece há
anos, mas que nunca rolou nada. Nem insinuações. Questões pessoais (ambos eram
casados, o que era motivo suficiente). Ele é bacana, inteligente e também
separado - mas sem traumas! Uma ótima opção para um (re)começo. Afinal, ambos
entendem muito bem dos percalços da vida a dois. E querem evitar isso
novamente.
O
e-mail só dizia:
“Bom
dia, minha flor do dia.”
Tudo
muito discreto.
Assim
como um espaço trancado em seu coração, que há três anos, espera ser
(re)aberto...
(Guilherme
Ramos, 15/04/2013, 13h25.)
Imagem: Google.
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