Já
passava das três... da manhã. O cigarro babado, manchado de batom, o gosto de
cachaça barata, na boca e nas roupas, a terrível sensação de que seria mais uma
noite em claro... Ah! Isso acabava com seu humor.
Lá
estava ela, de um lado para o outro, desde as onze... da noite. E ele não
chegava. Podia ser aceitável para as outras, mas não para ela. Odiava atrasos.
Ela tinha horário a cumprir. Tinhas coisas para fazer. Tinha contas a pagar.
Era independente. Autônoma. Mas dependia de seus parceiros para cumprir a meta
mensal. Do contrário, seria um inferno completo: fazer mais por menos, sem
restrições, apenas para não ficar no prejuízo. Estava cansada disso.
A
pior coisa do mundo não é vender o corpo, pensava. Isso é fácil. E rentável, em
alguns casos. Pior, pior mesmo, é querer basear o processo na idealização, no
desejo dos outros. É loucura. Gosto pelo gosto, há espaço para tudo e todos
(doa em quem doer...): se está muito jovem, é prato cheio para os tarados de
plantão. Se está madura demais, não importa, desde que encontre homens maduros.
Se está muito magra, há os adoradores da bulimia. Se está acima do peso, há os
que gostam de excessos. Se está “bombada”, existem os fissurados nos extremos
da malhação. Se está em forma, nem mais nem menos, você só fez sua obrigação.
Há os clientes de sempre.
Quando
começou nessa vida (nada fácil, diga-se de passagem), o conselho que lhe deram
foi: “Se quer dar, dê. Por amor ou por dinheiro, mas dê. Cedo ou tarde
alguém vai te comer. Você querendo ou não. Você não vai perder sua virgindade
para os vermes - sejam os de baixo ou os de cima da terra, certo? Ou para um
dedo, um vibrador, uma cenoura, uma banana, um pepino... Ah! Seja, ao menos,
sensata. Procure, antes, um amor fictício, apaixone-se. E dê. Dê muito. Curta a
doação. Depois, dê pra quem quiser. Se puder ganhar uma grana com isso e ainda se
divertir e gozar, massa! Senão, guarde a boa lembrança do primeiro amor. Isso
lhe confortará nas noites ruins. Claro que elas existem. Quando você descobrirá
a diferença entre fazer sexo, transar e fazer amor. Pensa que é a mesma coisa?”
A dúvida permaneceu em sua mente até conhecer um péssimo
cliente. Suado, seboso, sem noção. Sem dúvidas, aquilo foi uma transa. Onde o objetivo,
saciar o desejo, foi apenas dele. Ela, mera coadjuvante, abriu as pernas e
fechou os olhos. Não precisou esperar muito. Felizmente, ele gozou rápido. E pagou
bem. Ao menos, isso.
Aí se lembrou da sua primeira vez. Aquilo foi fazer
amor, cujo objetivo era transar (saciando o desejo de ambos), com
sentimentos recíprocos. Apesar da dor inicial, tudo foi maravilhoso com o
passar do tempo. Quando se conheceram melhor. Quando seus corpos respondiam aos
estímulos sexuais quase que automaticamente. E percebeu que também houve
momentos de pura transa, quando eles queriam apagar o fogo entre as pernas,
enquanto o amor relaxava num baú dourado, dentro de seus corações. Nesse momento,
não havia tanto sentimento, o tesão (dos dois) era só o que importava!
Olhou
o relógio. Já eram quase quatro horas... da manhã. Uma figura surgiu pelo outro
lado da calçada. Sorria, sem jeito. Hesitou aproximar-se. Ela se encostou numa
parede e fez um gesto discreto, chamando-o sensualmente. Ele atravessou a rua e
se aproximou tanto que seus hálitos se confundiam.
-
Cachaça? – Disse ele.
-
Uísque? – Disse ela.
-
Desculpa o atraso. Foi difícil arranjar as flores, a música, os incensos e os
energéticos. O que vai ser hoje?
-
Sexo.
-
Sexo? Tem certeza disso? Pensei que...
-
Tenho. – Interrompeu-o delicadamente, pondo dois dedos sobre seus lábios. – Chega
dessa vida. Hoje eu quero ser mãe.
(Guilherme
Ramos, 17/04/2013, 01h26.)
[Mais um conto da série... "Sobre Mulheres e Fêmeas"...]
Imagem: Google.
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