Não
via a hora de sair de casa. Tudo aquilo era chato demais. Não aguentava mais
tanta aporrinhação. Seus pais, seus irmãos, toda a sua família. Era impossível
ser feliz ali. Lá, era apenas mais uma menina, integrante (forçada) de uma
longa geração de gente implicante. Insuportável. Irritante.
Olhando
dessa forma, devia ser mais uma chata. Não era. Não queria isso para ela. Tinha
medo de se tornar um porre insuportável, uma ressaca humana torrencial, devido
ao contato constante com as chatices crônicas de cada dia.
Até
que um dia, uma noite, mais precisamente, conheceu um cara. Não era “O Cara” da
música, era um cara comum. Mas bastante incomum! De início, ele não queria muita
coisa. Só conversar. Falava e escutava na medida certa. Poucos excessos. Isso
foi ótimo! Estava cansada de conter mãos bobas disputando seu corpo a cada
relacionamento, já no primeiro encontro.
Mais
alguns dias, mãos e braços, pés e pernas se entrelaçavam. Delicadamente. Bocas
e línguas dialogavam poliglotamente, num intercâmbio incessante. E o calor tomou
conta dos dois como um sol causticante no deserto; como dois vulcões adormecidos
que acabaram de entrar em erupção. E isso continuou sendo ótimo.
Com
as semanas, o descontrole foi necessário. Nenhuma roupa seria adequada naquele
momento. Era preciso estar nu, para se vestirem de paixão. E partilharam, à
flor da pele, todo o sentimento necessário.
Com
os meses, inexperientes que eram, aprenderam juntos muita coisa: onde doía,
onde fazia cócegas, onde não era legal, onde era ótimo, onde era bom e ruim ao
mesmo tempo, onde não tinha explicação... Ondes, aondes, comos, por ques; por
issos e aquilos, quandos, pra ques... Eram tantas questões e expressões – e não
sabiam todos os porquês – que um medo
surgiu, de forma quase infantil. E se
tudo acabasse tão rápido como começou? Não seria esse o destino de quem
conheceu o primeiro amor? Mas estavam lá, juntos, para o que desse e viesse. Eram
companheiros, amigos, cumplices, aliados. Namorados. Atados. Agarrados.
A
família, claro, tentou se meter. Como chatos que eram, achavam que o casal não
combinava. Que ela era muito alta para ele, que ele era muito pobre pra ela,
que ambos eram jovens demais para um relacionamento... Que, que, que, que...
Que...
se foda. Eles só queriam um ao outro. Não importava a opinião de ninguém.
Aliás, esses “outros” sempre pensam mais nos outros “outros” do que neles
próprios. Por isso, foda-se. Foda-se, foda-se... foda-se. E assim (bem) seguiram
suas vidas.
Um
ano. Dois. Três. E nada se desfez. Quatro, cinco, seis. Continuavam juntos,
como a primeira vez. Sete, oito, nove, dez. A paixão não esfriou e algo mais
surgiu. Vinte. Devia ser amor. Trinta. Tinha tudo para ser amor, porque não
havia outra explicação. Quarenta. E isso perdurou, dia após noite, por mais e
mais anos, décadas a fio. Felizes.
Até
que ambos, numa última noite, fecharam os olhos. E sonharam juntos, para
sempre. De mãos dadas. Sorridentes. Numa bela história de amor. Que muita gente
tentou se meter e, provavelmente pelo insucesso, ninguém nos contou.
(Guilherme
Ramos, 12/04/2013, 13h23.)
[Mais um conto da série... "Sobre Mulheres e Fêmeas".]
Imagem: Google.
2 comentários:
Bom parece amor né, e faz lágrimas saltarem dos olhas! Porra!
Palavras simples, belo texto !
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