Saudade.
Saudade é quando acordamos e, olhando para o lado,
procuramos por alguém e só encontramos algo. Quando nos deparamos com aquela
blusa simples, escondida por trás do travesseiro, meio que disfarçada pelo
lençol amarrotado, fruto de uma noite anterior. Ah! Aquele cheiro, meio
perfume, meio gente, numa mistura de gêneros e desejos que nem sei explicar.
Sei sentir. Sei lembrar. Lembrar de como aquela
blusa vestia bem. Como ela envolvia seu corpo, deixando à mostra apenas ombros,
braços, numa quase poesia visual. Mas era inspiração demais até para o melhor
poeta. Porque aquela pele era muito mais que prosa. E o romance que nos
envolvia – noite e dia – era uma história sem fim. Até o momento de acordar.
Seis e quinze. Isso não era hora de amante acordar.
Isso não era hora nem de um ser humano normal acordar! Era hora de galo cantar.
Acordar os outros. E eu, que ontem tanto cantei de galo na frente de todos, hoje,
fico meio frango, meio pinto, sem saber o que fazer. Perdido num ninho que mais
parece de cobras, quando antes era só de amor.
Você deixou quase nada. Só a blusa ficou. Por quê? E
repito, por que, com tanta coisa para esquecer, você deixaria logo a blusa?
Logo a blusa! Aquele manto sagrado que lhe envolvia, me excitava e a tornava
minha, para despi-la a hora que eu bem quisesse.
Fetiche? Talvez. Mas nenhuma outra roupa lhe caía
tão bem. Ok, ok, todas as suas roupas lhe caíam. Eu mesmo as tirava. Numa tara
que nem eu – e nem você – saberia explicar. Era coisa de bicho. Era você
chegar, soltar um sorriso, me dar um beijo... e pimba! Tesão em ação! Amantes
ardentes, sem mais delongas, nus sobre o tapete, o sofá, a cama. Muita cama. Depois,
chuveiro e, depois, mais cama. Porque nunca era demais. E a gente sempre queria
mais. Como se o mundo, simplesmente, fosse acabar.
Na hora do gozo, da “pequena morte”, como dizem os
franceses, o tempo parava. Você tremia, tremia, depois esperneava, pedindo para
eu não me mexesse. Apenas... pulsasse. O máximo que eu pudesse. Aí, colocava
sua blusa sobre os olhos, arquejava-se para trás, me apertava com suas pernas
grossas e soltava um sorriso tão gostoso, que dava vontade de congelá-lo numa
foto 3D e reproduzi-la por toda a casa, para não perder você – e toda a sua
alegria – de vista.
Mas hoje, eu a perdi. Não só de vista. Mas de vez.
Não me lembro do que disse, do que fizemos – nem sei se fizemos. Apenas o
vazio. Da cama, do quarto, da casa. Nada aqui é a mesma coisa sem você. Não que
você fosse tudo na minha vida ou que eu fosse tudo na sua, mas a certeza de que
nos fazíamos bem era evidente. Por mais que ninguém soubesse que tínhamos um ao
outro.
Esse segredo, guardado a sete chaves de nossos
conhecidos e familiares, talvez, somente talvez, fosse o grande responsável
pelo nosso bom convívio, pela felicidade inabalável. Mas aí, veio o desejo de tornar
tudo público, o sonho de ser família, a vontade de mandar nossos ex-amantes
para o inferno... – ou para a puta que pariu, que era mais longe e quente –
parece que esfriou a relação. Tenho lá minhas dúvidas. Mas preciso de uma
desculpa para diminuir a dor.
Álcool, remédios, homeopatia e putaria também poderiam
me ajudar. Mas... Quer saber? Cadê a porra da blusa? Ah! Está aqui. Vou ficar
na cama, agarrado a ela. Vou cheirá-la até arrancar todo o seu cheiro. Até que
ele fique encruado em meu cérebro e se transforme numa imagem sua, nua. Pronto.
Pra tudo. Masoquismo? Não. Eu me conheço e lhe conheço muito bem.
Você vai voltar.
Se não por mim, pela blusa.
Afinal, ela é sua favorita...
(Mas eu também.)
(Guilherme Ramos, 03/04/2013, 22h58, após ler um trechinho
de Caio Fernando Abreu, que causa tontura/epifania à minha amiga, Ágatha
Salcedo... Valeu a inspiração, A Gatha! Rsss...)
[O primeiro conto da série... "Sobre Mulheres e Fêmeas"... Isso vai dar um livro! Rsss...]
[O primeiro conto da série... "Sobre Mulheres e Fêmeas"... Isso vai dar um livro! Rsss...]
Imagem: Google.
3 comentários:
Espetacular, amei o texto. Continue escrevendo belissimamente.
Achei seu blog num comentário num outro site...belo texto..visualizei cada cena.. voltarei mais vezes...
Obrigado! Volte sempre!
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