Estava
velha. Cansada. Acabada. Tudo de pior. Arquejada, aquela figura traduzia tudo
de mais horrendo que a história da humanidade poderia presenciar. E, a cada
segundo que se passava, a cada fração cronológica que se formava, parecia
piorar. Mais e mais e mais.
A ação do
tempo foi-lhe negativa. Assim como foram negativas todas as suas experiências.
Família, escola, faculdade, trabalho, outra família. Aliás, outras famílias. Várias.
Parecia ter se casado muitas vezes. Ano após ano. Divorciosamente. Viúvamente. E,
a cada necro-matrimônio, a responsabilidade lhe corroia. Mais e mais e mais.
Não teve muita
sorte. Desgastes aconteceram tantas vezes, que perdeu a conta. Para que
lembrar? Lembrar de que? Das traições? Das mentiras? Das faltas de tempo? Das
discussões? Das omissões? Das... tantas coisas. Que não valeria a pena
registrar. Resgatar. Relembrar. Mais e mais e mais.
Redescobrir-se
era uma missão difícil. Quem era ela? De onde veio? Para onde iria? Iria? Porque
do jeito que as coisas iam, em nada daria. Triste fim. Triste verdade. Triste.
Verdade. Mais e mais e mais.
Era triste.
Solitária. Sozinha, numa multidão de gente conhecida. Mas preferia isso a estar
mal. Acompanhada, sentia-se pior. Preferia estar só. Não era depressiva. Mas
tinha sintomas. “Deprês” são: traços de que poderia ser uma pessoa melhor, se
quisesse. Mas se deixava levar pelas negativas dos outros. Pelas (más) vontades
dos outros. Pelos outros. Pobre criatura. Pobre. Criatura. Mais e mais e mais.
Tontura. Era
o que sentia, quando tentava ser feliz. Ser feliz lhe dava náuseas. A ânsia de
vômito sobrepujava qualquer sorriso que lhe estampasse a cara. A cara de pau que
insistia em usar - como se fosse sua vontade real - causava-lhe cicatrizes. Na
alma. E isso, também, marcou sua pele. Mais e mais e mais.
E o que
mais? Ah! O sofrer. A angústia, seu sangue, percorria-lhe o corpo esquálido num
batimento cárdio-sufocante, beirando a arritmia. E a cada milimétrico avanço do
ardente líquido, só lhe restava converter-se em suor e lágrimas sem sentido. Coisa
de gente doida. Coisa de caso perdido. Mais e mais e mais.
O coração já
não mais existia. Era uma bomba. Literalmente. A cada novo “bater”, o corpo
padecia como uma escrava no tronco. E as chagas abriam-se facilmente, na pele
tão sofrida. Ferida. Fendida. Fedida. A necrosar. Independentemente de ser libertada
ou ser morta, a moribunda possuía marcas permanentes – e membros a amputar. Mais
e mais e mais.
Então, parou
de desenhar. Rasgou a folha A3 de papel canson em pedaços. Atirou-os na lixeira, como alguém que se livra de um imenso fardo. Como se faz com um devorador de pecados. E recomeçou o autorretrato – de sua alma. Árdua
tarefa, para alguém de vinte e poucos anos. Bem vividos. Só que não. Menos e
menos e menos...
(Guilherme
Ramos, 17/05/2013, 18h29.)
[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]
Imagem: Google (Dürer - autorretrato com ligadura).
1 comentários:
E não somos todas assim? Mulheres e fêmeas?
Somos sim!
Perfeito texto!!
bjus
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