quarta-feira, 22 de maio de 2013

Quarenta Cliques



Fotógrafo de renome. Profissional. Registrava o que houvesse de mais impossível. Já havia feito imagens incríveis pelo mundo – guerras, festas, jogos, esportes radicais, shows, personalidades... do sexo masculino. Nunca de uma mulher. Mulheres eram musas. Inspiravam-lhe, mas nunca poderiam ser registradas em sua real perfeição. Sob pena de sua criatividade, sua inspiração ser drenada até a última gota, levando-o à completa desgraça, caso tentasse.

Já havia recusado diversos trabalhos. Muitos deles, de revistas internacionais. Alguns achavam que era louco ou que não “gostava da fruta”. Ele não ligava. Piadas à parte, ele se focava. E trabalhava, trabalhava, trabalhava. Mas foto de mulher, como sempre, não tirava. Qualquer um podia pagar, implorar ou ameaçar. Era irredutível. Dizia que esse era o preço por seu talento notável. Quase um pacto demoníaco, como o fez Dr. Fausto e Dorian Grey.

Na realidade, houve uma vez – uma única vez – que se apaixonou. E desejou eternizar sua paixão. Mas a moça era tímida. Ele pediu, pediu, pediu... E a jovem recusou. Disse-lhe que não estava pronta. Que um dia, prometeu, faria essas fotos. Inesquecíveis. “Uma para cada ano que ficarmos distantes”. Aí, veio o dilema: se fosse pouco tempo, não tirava uma foto sequer. Ao menos estariam juntos. Mas... E se demorassem anos? Será que as tais fotos compensariam tanta ausência, tanta falta de companhia?

Desse dia por diante, não a tirava do sentido. Guardou-se para a amada e nunca mais fotografou outra mulher. Um misterioso segredo guardado em sete cofres do mais puro aço, no canto mais sombrio de seu coração. Talvez, por isso – mas somente ele sabe – evitasse quaisquer mulheres em suas fotos. E em sua vida.

Nenhuma mulher conseguiu preencher o vazio que ficou, quando ela se foi. A solidão do fotógrafo só não foi maior do que a dor da partida, quando ele próprio não teve forças para apertar o botão da câmera, registrar os últimos instantes da sua vida. A dois. Era uma dor cortante, tal qual o beijo de uma navalha nos próprios pulsos, a esvair seu sangue, sua vontade de viver. E, assim, deixou escorrer todo o sentimento que possuía. Tornou-se frio e distante. Do amor. Apenas o trabalho, intenso, manteve aquele homem – ainda – humano.

Passaram-se os anos. Décadas a fio. Não acreditava que o tempo estivesse em relógios e calendários, aprisionado. Mas sim, livre, esperando a iniciativa certa para ser aproveitado. E ele o fez. Viveu. Sozinho. Com seu trabalho. Não se permitiu aborrecer. Só fez o que gostava.  E gostava do que fazia. Não casou. Não teve filhos. Não teve o coração – mais uma vez – partido. Guardou-se. Para a amada. “Se for pra sofrer, que seja ouvindo uma boa música...” – Pensava, enquanto tomava umas doses de uísque. Sem gelo. Frieza, já havia bastante na madrugada.

De gole em gole, veio o sono. Daí, ir para o quarto era uma questão de princípios. Teria trabalho logo cedo e não poderia se atrasar. Seria um ensaio fotográfico secreto. Provavelmente, de alguma agência grande, para algum produto importante, pois recebeu apenas uma informação: este seria o melhor trabalho de sua vida.

E foi. Logo que acordou, havia um carro a sua espera. Levou-o para uma desconhecida rede de hotéis a beira-mar. Tudo muito chique. Perfeito como o Paraíso. Tomou um café da manhã primoroso, pegou a câmera e foi até o local das fotos, que se tornaram – como era de se esperar – verdadeiras obras de arte.
O sol já se despedia, quando veio a notícia:

- Vamos chamar A modelo para finalizarmos a sessão de fotos, OK?

- Quê? – Seu olhar já denunciava a tragédia que estava por vir. – Eu informei no contrato que não tiro fotos de...

- Mulheres? – Interrompeu uma voz feminina tão doce e sensual quanto uma ninfa clássica, mas de alguma forma, familiar. – Que perspicaz, meu rapaz...

Não conseguia acreditar. Lá estava ela. Exatamente como ele a tinha deixado há quarenta anos. Nenhuma ruga. Nenhuma ideia de como ela podia estar assim. Olhou ao redor. Todos tinham desaparecido. Tudo tinha desaparecido. Exceto o que sentiam um pelo outro.

- E-eu... só tenho 36 poses disponíveis... – Nervoso, foi a única coisa que lhe veio à cabeça.

- Não tem problema. Só precisamos de mais quatro... paredes.

(Guilherme Ramos, 22/05/2013, 01h48.)

[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]

Imagem: Google.

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