Achava que fez a escolha certa. Da sua turma, foi-se
afastando meio sem querer. Sentia falta de alguns amigos, mas as circunstâncias
– álcool, baladas, beijos, corpos nus e poucos orgasmos – não satisfaziam mais.
Vinham fáceis. Iam fáceis. Nem sempre voltavam.
Seu coração ficava cada vez mais frio. Tão frio, que o sol das
paixões não o aquecia mais. Amornava, às vezes; evaporava, às vezes; requentava,
às vezes. Tantas vezes. Mas quase nunca entrava em ebulição.
Culparam o início de namoro. Essa mania que a gente tem de
abandonar os amigos quando se apaixona. Bobagem. Nem relacionamento tinha. Mas
não negou. Mentir. Para não doer – tanto – seu afastamento. Deixar amigos de
lado temporariamente é meio cruel. Mas necessário. Para que pudesse ser sua
própria amiga por uns tempos.
A reclusão não foi fácil. Telefonemas insistiam em convidá-la
para sair. Mensagens de texto tentavam mudar sua opinião. E-mails questionavam sua escolha. Redes sociais divulgavam possibilidades.
Mas ela não se abalou. Desligou todos os eletro-eletrônicos. Arrancou-lhes as
tomadas. Não queria viver em stand by.
Queria paz. De espírito. E muito mais.
E foi o que teve. Incrível, a sensação. De desintoxicação. De
libertação. De tudo. Não leu mais. Jornais. Apenas livros. Clássicos e atuais.
Não queria saber de verdades pré-fabricadas pela mídia. Não queria saber – mais
uma vez – quem morreu, quem matou, quem roubou, quem foi preso, quem foi solto,
quem foi mocinho mas virou bandido. Queria saber de si. Da sua contribuição
para o mundo. Quase não queria mais sair dela.
Até chegarem as cartas. Cartas. Quase não lembrava mais
delas. Pelo correio, chegavam apenas publicidade, contas... e mais contas. Mas...
cartas? Nossa! Isso era diferente. Quem ainda se utilizaria de um meio de
comunicação tão raro? Quem seria tão incomum? Inovador? Incrível? Quem se
importava em comunicar ao outro o que sentia, suas palavras, suas idéias, tantas
coisas... num papel?
Sentiu-se novamente criança, recebendo um presente surpresa. Não
perdeu tempo. Abriu as correspondências.
“- Fé na fábula”, diziam. Todas. Apenas isso. Eram de
uma amiga. Que há tempos desapareceu, sem deixar vestígios. Como ela tentava fazer.
Só que bem feito, numa completa abstinência de gente. Eis uma pessoa que sabia
das coisas. Eis alguém que valeria a pena conviver, conversar, compartilhar.
Havia um endereço. Havia tempo. Havia curiosidade. Não havia
medo. Não havia empecilhos. Não havia má vontade. Fez as malas. Trancou a casa.
E se foi. A pé mesmo. Assim teria mais tempo para pensar.
“- Fé na fábula”, lembrava. “Essa, sabia das coisas”, pensou. Agora era a sua vez. Porque de
realidade já tinha (sobre)vivido muito. E perdido tempo. Era hora de sonhar.
(Guilherme Ramos, 26/05/2013, 14h36.)
[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]
Imagem: Google.
1 comentários:
Todos os textos dessa série são nesse grau psicológico e estático?
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