sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Sonhadora



Era uma sonhadora. Das boas. Do tipo que sonha acordada, sentada, deitada e – até – dormindo.

Sonhos, tinha aos montes: conhecer os cinco continentes (principalmente a Oceania), escrever livros (enfim, escrever todo dia), namorar antes de casar (muito mesmo – por que não faria?), conhecer um cara legal (perfeito, não precisaria), ter um filho (sua melhor companhia)... E outros tantos. Mas tudo tinha que obedecer a essa ordem, natural para ela. E nunca abandonar os sonhos. Sua prioridade absoluta.

Um deles, no entanto, sabia que não iria acontecer. Nunca. Mas não queria pensar nisso. Estava ocupada demais em ser feliz para se preocupar. Era preciso viver. Bem. Mais. Porque muita gente deixa de viver – e sonhar – para pensar em problemas. Louco, não? Mas é mais comum do que se imagina. Pessoalmente, ela conhecia uma nação inteira.

Viajou. Conheceu ruínas antigas, cidades desconhecidas, pessoas estranhas e lugares exóticos. Vivenciou novas culturas, lendas, crendices, cretinices e gentilezas. Emocionou-se com ações, reações, revoluções e procrastinações. Adoeceu, recuperou-se, quase morreu e se encontrou. Na mais íntima – e quase ínfima – parcela do seu amor. Próprio.

Escreveu. Foram tantas viagens, tantas experiências, que a necessidade de registrá-las tornou-se irrecusável. As palavras vinham como o oxigênio que respirava – uma questão de sobrevivência. E, fluentemente, construiu a mais bela obra da literatura contemporânea.

Namorou. Muito. Muito mesmo. Depois, muito o mesmo. Não conseguiu gostar de outro. Somente ele a satisfazia. Principalmente porque não vivia no seu pé. Deixava-a livre, tão livre, que quase podia voar. Por isso mesmo queria voltar logo para aqueles braços e para os abraços apertados. Ele era a lâmpada, atraindo a mariposa, feito de luz e calor. Descobriu, de forma despretensiosa, que conheceu o cara mais legal do mundo. Era amor para a vida toda.

Casou. Mas cansou. E mesmo querendo continuar casada, achou que tudo aquilo era como uma gripe: debilitava, doía, tirava o sono, mas... passava. Daí, surpreendeu a todos, todas e a si mesma: resolveu separar-se. Mas continuou com o ex. Marido. Porque continuaram namorados. E fazendo dar certo. Deu certo.

Tiveram um filho. Ponto. Pronto. Sem mais palavras. Essa alegria não pode ser expressa como merece. É uma grandeza para ser vivida, não narrada. Era um mundo inteiro, não apenas uma estrada.

Mas... E o sonho irrealizável? Por que era irrealizável? Isso era só dela. De mais ninguém. Se contasse, confessasse, compartilhasse, talvez algo ele se tornasse. Mas não era a intenção. Ter sonhos inatingíveis ajuda a impor limites. Depois de tanta vida, ser “imortal” tornou-se completamente possível. Não é isso o que nos tornamos nas lembranças de quem fomos mais presentes?

E ela sempre – e para sempre – foi do mundo.

(Guilherme Ramos. 24/05/2013, 19h08.)

[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]

Imagem: Google.

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