quinta-feira, 20 de junho de 2013 1 comentários

Desejo


Acontecia. Simplesmente, acontecia. Não que ela quisesse. Mas era assim. Sempre. Não havia como disfarçar. Seu rosto, alvo como o mais puro algodão, ganhava nova cor só em pensar na possibilidade. Grande possibilidade. Única. Perfeita. Até mesmo para ela.

Era legal. Completamente legal. Mas era mal visto pelas colegas. – “Coisa de gente sem classe...” – diziam algumas. – “Loucura total...” – Diziam outras. Por isso ela não se movia. Ficava na dela. Quieta. Imovelmente (in)completa. Uma pena, pois seu potencial era sem igual.

“Talvez na semana que vem...” – Pensava. Ah! Não! Assim, sua mãe a matava. E ela já desconfiava. Se a pegasse no flagra... Seria morte certa. Inadmissível para uma jovem como ela, de classe, de família, ter sua vida manchada dessa forma. Insano. Inaceitável. Impossível.

Soube que uma vizinha sua fez, uma vez. Há mais de vinte anos. E não parou mais, desde então. Viciante. Devia ser. Como seria? O que fazia? Não teve chance de perguntar. Sua vizinha nunca mais foi vista. Dizem que morreu fazendo. Dizem que está fora do país. Dizem que seus pais a colocaram num convento, na Europa, para acalmar-lhe as idéias. Apagar-lhe o fogo. Castrar-lhe as esperanças. Eram moças, meras crianças. Precisavam ser protegidas de si mesmas. Era o melhor a fazer por elas. Talvez, não um convento, mas um colégio só para moças. Na França. Na Inglaterra. Mas, no Brasil, não poderia ficar. Cedo ou tarde, se fizesse aquilo, sairia em todos os jornais sensacionalistas, em revistas de quinta categoria. Não, não. Não poderia. Seu lugar era na high society.

Mas sua alma pertencia ao povo. Que amava. E aquela brasa, quase apagada, reacendeu com os noticiários. Com as postagens nas redes sociais. Com os gritos na rua. Com o seu coração em chamas, gritou, berrou, esgoelou-se. Como nunca poderia ter feito. Mas fez. Como sempre quis ter feito. Como brandia a vontade em seu peito.

Saiu de casa às escondidas. Contra a vontade de todos. Foi às ruas contra a vontade de outros. Mas ao seu lado havia tantos, que tão poucos os tais outros se tornaram.

Veio a noite. Veio o dia. E ela firme. Inabalável como um farol em meio à tempestade. As mãos calejaram de tanto empunhar a bandeira da liberdade. A garganta sangrou de tantos gritos. Seus pais, aflitos, só podiam seu retorno aguardar.

Porque o amor (por ela) dos pais era verdadeiro. Mas o amor (dela) pelos demais era sem igual. “Dos filhos deste solo és mãe gentil...” – Falava, maternalmente, avançando pacificamente em direção a seus repressores. A cena foi transmitida e retransmitida adulterada pelos telejornais. E desmentida, discutida, revelada nas redes sociais. Até que elas caíram. Um profundo e ignorante silêncio se fez no País. Mas novos gritos – de todas as direções – ecoaram em resposta: “Se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta, nem teme, quem te adora, a própria morte!...”

O que era desejo (dela) virou história. A história transformou-se em lenda. Sua lenda inspirou os mais fracos. Os enfraquecidos fortaleceram-se. Os fortes tomaram o poder. O poder nunca mais se corrompeu. A corrupção foi erradicada. A erradicação assolou outras áreas inóspitas. O inóspito tornou-se hospitaleiro... E, assim, foi escrita uma outra – e nova – história.

(Guilherme Ramos, 20/07/2013, 2h48. Em homenagem às guerreiras e guerreiros pacíficos do nosso Novo Brasil.)

[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]

Imagem: Google.
quinta-feira, 13 de junho de 2013 0 comentários

Na Morada


Caía a chuva, fina, num fim de tarde nublado. Havia, ainda, muita chuva para cair. Ao contrário do que se poderia imaginar, não era um clima ameno, nostálgico, mas um mormaço de matar. O momento não-ideal para qualquer situação sentimental.

E lá estava ela. Firme. Lutando contra uma multidão que ia e vinha ferozmente de todos os lugares possíveis – como zumbis famintos, desejando algo irrefutavelmente fútil, ao invés de cérebros: caixas, sacolas, lembranças, presentes. Para o “Dia dos Namorados”.

Ninguém se intimidava com a chuva, que aumentava ferozmente. Enquanto ela seguia pelo meio do calçadão, molhando-se da cabeça aos pés, outros se protegiam com capas, sombrinhas e guarda chuvas. Enquanto ela sentia a chuva acariciar o seu corpo, outras se apinhavam em marquises, toldos e tendas. Enquanto ela dançava de corpo e alma com a melodia dos pingos, o turbilhão de consumidores selvagens não encontrava lugar suficiente nas filas das lojas, nas vagas de estacionamentos, nos corredores abarrotados de “promoções”. Queriam comprar, comprar e comprar algo para seus pares – que também deveriam estar fazendo a mesma coisa. Um caos. Completo.

Mas o sentido de completude, nesse caso, era encontrar o presente ideal. – Que absurdo! – Pensava ela, tão centrada e solteira, quase um antídoto para tamanha falta de bom senso. Até os mais românticos e experientes deixavam-se levar por hipnóticas promoções, do tipo: “compre três, pague dois!” – Quase sugerindo o terceiro item como um paliativo para amantes e afins. Tudo milimetricamente pensado. Tudo marketing sentimentalista. Uma armadilha letal. Um consumismo amoroso. Criminoso. Carnívoro. Insaciável.

Ela podia estar em outro lugar. Um BAR. Não. Nesse dia, bares transbordam de solteirões abalados que mais se embriagam de solidão do que de álcool. A ressaca – moral – é sempre maior. E dura mais tempo. Um SHOPPING. Não, não, não. A grande quantidade de pombinhos agarrando-se e beijando-se incansavelmente, como se suas bocas fossem balões de oxigênio, só a fariam perder o fôlego. Um RESTAURANTE. Talvez. Até sentia fome. Mas a estranha sensação de que todas as mesas abrigariam casais enamorados que enxergam a comida – dos pratos – como entrada para uma refeição a posteriori – na cama – só a faria perder todo e qualquer apetite. É. Não dava. Melhor andar pela cidade. Sem rumo. Apenas em companhia da chuva.

Quem a descobrir poesia, terá mais do que uma pessoa prosa. Terá boa companhia. Risadas gostosas. Muito amor. Muita alegria. Não menos que isso. Não caberia. Na morada que lhe faria. Independente de data. Comemoração. Situação. Porque todo dia é dia dos namorados.


(Guilherme Ramos, 12/06/2013, 23h59.)


[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]

Imagem: Google.
segunda-feira, 10 de junho de 2013 0 comentários

Empatia


Às vezes sofro. Às vezes penso que sofro. Às vezes vejo os outros sofrendo e lamentando. Às vezes penso que vejo os outros sofrendo e lamentando. Eu não vejo nada. Ninguém vê nada. Mas poderíamos tentar isso, às vezes. Porque, somente às vezes, podíamos nos colocar no lugar dos outros. Isso se chama EMPATIA. E tentar dar um tempo para os outros. Porque ninguém sabe como foi o fim de semana de ninguém. Porque ninguém sabe como foi o dia (ou a noite) de ninguém. Somente quem passa por isso. Porque não existe isso de estar certo ou errado para tudo. Existem PESSOAS. E elas querem ser felizes. Elas querem VIVER. Felizes. Então, por favor, faça algo realmente BOM para elas. Nem que seja... deixando-as em paz. Porque se não puder ajudar, não atrapalhe. Isso já será de grande ajuda. Acredite. Eu sei.

O vídeo abaixo fala por si:



Não preciso dizer o que minhas lágrimas já disseram... E fazia tempo que elas estavam mudas.

Guilherme.
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Vazio (Subversivo)


Meu coração tão vazio,
Como a madrugada, frio,
Sem ninguém para lembrar,
Fica totalmente apreensivo.
Não faz drama, não reclama,
Só me joga na cama, assim:
- Cala boca! Nada de sonhar!
(O sonhar é subversivo...)

(Guilherme Ramos, 10/06/2013, 00h01.)

Imagem: Google.
domingo, 9 de junho de 2013 1 comentários

Tríade

 

Viva até se perder de vista. 
Viver é perda e conquista.

Ame até esquecer o jamais.
Amar é querer sempre mais.

Sonhe. Muito. Até mesmo acordado.
Sonhar é ensaiar um fato consumado.

(Guilherme Ramos, 09/06/2013, 22h15.)
sábado, 8 de junho de 2013 1 comentários

DezEncontros


Foram apresentados há alguns anos. Profissionalmente. Mas pouco se falavam. Setores diferentes. Até rolava o desejo de se conhecer melhor – um segredo que cada um guardava dentro de si – mas não havia chance. Local de trabalho era local de trabalho. Ninguém estava a fim de arrumar problema para o outro, porque a empresa deixava bem claro: “nada de relacionamentos entre funcionários”.

O dia a dia era sempre o mesmo. Rotina? Ele lá; ela cá. Cada um na sua. Intervalos? Curtos. Mal dava para almoçar. Horários? Diferentes. Ela, pelo dia; ele, pela noite. Folgas? Ela fazia trabalhos para a faculdade, pensava no futuro; ele fazia extras, em busca de seus sonhos. E assim foi. E foi. Assim.

Um dia, sem mais nem menos, ela saiu do emprego. Novos horizontes. Ele, quando soube, já era tarde demais. Sem mais contatos – telefônicos ou pessoais – o almejado encontro tornou-se impossível. E, para piorar a situação, não sabia onde ela morava, qual seu novo emprego, por onde andava... Enfim, um total desastre. Como poucos que eles se permitiam ter. Talvez o jeito fosse, apenas, deixar rolar. Esquecer. Fácil? Isso não haveria de ser.

Até que meses depois, nessas noites antissociais, quando ficamos em casa, no computador, sem vontade de ver gente, apenas comentando e curtindo isso ou aquilo nas redes sociais, sem qualquer outro compromisso com a realidade, os dois se falam num bate papo on-line. Inicialmente formais, pareciam amigos. E só. Meio frustrante também. Mas, aos poucos, o gelo foi quebrando e indiretas inteligentes revelavam a vontade de se conhecerem melhor. Não perderam mais tempo. Marcaram um encontro. Cinema. O básico dos básicos. Deveria funcionar.

Mas não funcionou. Ela teve um contratempo na faculdade. Marcaram outro encontro. Dessa vez, foi ele que não pode comparecer. Marcaram outro. O celular dele descarregou. Mais outro. O celular dela descarregou. E outro. E mais outro. E mais outro... num total de dez. Seria cômico, se não fosse mais uma vez, trágico. Contando, ninguém acreditaria. Era coisa de novela, de filme, de série de TV. Ninguém nessa existência poderia desencontrar-se tanto quanto eles. Beirava o surreal. Alguém lá em cima – ou, talvez, lá embaixo – não queria que ficassem juntos. E continuaram distantes. Afastados. Frustrados.

Depois de tanto tempo, de tentativas ao vento, ela cansou. Resolveu sair. Sozinha. Sem ele. Sem ninguém. Foi estranho no início. Quando se dava conta estava puxando conversa com qualquer estranho ou estranha, na mesa ao lado. Ria de si mesma e relaxava. Entre uma ou outra golada, resolveu dar uma volta no bar. Já no corredor que dá acesso aos banheiros, esbarra em alguém. Ou, talvez, alguém tenha esbarrado nela. Não importava. Era ele. Era ela. Eram eles. Os dois, finalmente, frente a frente. Simples assim. Como não haviam conseguido antes. Como devia ser. Na hora certa. Porque, algumas vezes, as pessoas só se encontram quando não se procuram.

(Guilherme Ramos, 05/06/2013, 23h45.)

[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]

Imagem: Google.
quarta-feira, 5 de junho de 2013 0 comentários

Lenda


Engraçado. Bateu uma coisa, aqui, em mim.
Você sabe o que foi? Não tenho ideia não.
Reza a lenda, que foi saudade. Sim! Sim!
Ah! Histórias loucas, essas, do coração.

(Guilherme Ramos, 05/06/2013, 23h02.)

Imagem: Google.
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Ida


Isso posto,
Vira o rosto
E se vai...
Vai com gosto,
Um pouco imposto,
De quem não vem,
Não volta mais.

(Guilherme Ramos, 01/06/2013, 8h40.)

Imagem: Google.
segunda-feira, 3 de junho de 2013 1 comentários

Cegueira


Mãos corriam – para lá e para cá – tocando paredes, vãos de portas, obstáculos diversos e não encontravam respostas para a pergunta “onde ele está?”. Isso a deixava cada vez mais confusa. Curiosa. Constrangida. Pois nunca lhe havia acontecido algo semelhante. Jamais precisou de ajuda. De ninguém. Sempre se virou muito bem sozinha. Até aquele momento.

Estava tudo escuro em sua cabeça. Imagens não se formavam, ambientes tornaram-se desconhecidos, pessoas ficaram totalmente desfocadas. Nada. Não havia mais luz. Absolutamente nada penetrava em seus olhos. A não ser uma última imagem. Dele. De sua partida. Marcada em seus cristalinos. Tão cegante, quanto traumático. Imagem estática, congelada. Numa quase tatuagem que não lhe despregava dos olhos. Impossível qualquer outra opção de visão.

Seus dedos percorriam todos os milímetros possíveis, buscando o corpo dele, querendo traduzir suas palavras, procurar signos, metáforas, parábolas. Mas em vão. Não há significado nem significante no vazio que lhe foi imposto. Não havia braile para registro e compreensão. Não havia libras para transmissão do que sentia e queria dizer. Não havia nada. Apenas o nada. Num vazio tão cheio que a sufocava.

Atirou-se ao chão. Desconstruída. Desiludida. Desesperada. Gritava como nem sempre se vê numa hora dessas. Frágil. Como uma taça de cristal em meio à manada de elefantes furiosos. Não havia mais ninguém por perto. Ninguém para escutá-la. Para ouvi-la. Para salvá-la. Nem ela mesma. Na sua ânsia pela busca do outro, esqueceu-se de si própria. E isso lhe foi fatal.

Jurou nunca mais se deixar envolver assim. “Nunca mais” seria sua partícula temporal. Egoisticamente particular. Mas o “nunca mais” tornou-se muito tempo. Virou rotina. E, tal qual muita luz, cansou sua retina. Que começava a clarear. Pensava que o “nunca mais” – assim como o “para sempre” – demoraria mais. Tempo. Espaço. Tudo deixou de apenas ser. A questão de apenas ver, virou um completo estardalhaço.

Mãos corriam. (...) Estava tudo escuro em sua cabeça. (...) Seus dedos percorriam todos os milímetros possíveis, (...) atirou-se ao chão. (...) Jurou nunca mais se deixar envolver assim. (...)

Era um ciclo sem fim.

Como a saliva queimava-lhe a boca, lágrimas queimavam o que lhe restou dos olhos. Estava cega. Novamente. De paixão. Uma cegueira rubra. Como o sangue que lhe fervia o corpo. Outros sentimentos, por hora, eram meros tons de cinza.

(Guilherme Ramos, 03/06/2013, 01h34.)

[Mais um conto da série... “Sobre Mulheres e Fêmeas”...]

Imagem: Google.
sábado, 1 de junho de 2013 0 comentários

Outonização


Seguir cega paixão, por vezes me outoniza.
Sentir - somente - e esquecer a razão...
Tanto recompensa, quanto desestabiliza.

(Guilherme Ramos, 30/05/2013, 14h38.)

Imagem: Google.
 
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