Tudo começou com uma pergunta. Que ele não soube
responder.
Que drama! Como poderia haver pergunta sem
resposta? Isso não estava certo. Ele precisava tomar uma providência. Não
responderia somente àquela questão, mas a TODAS. Sem exceção. Porém, para isso,
era preciso buscar conhecimento. Em qualquer parte, de qualquer modo, a
qualquer custo. E foi o que fez: dedicou toda sua vida à pesquisa. Pesquisou,
pesquisou, pesquisou... sem parar.
Não demorou muito, já sabia de cor todas as
histórias da História, as dúvidas do Português, os limites da Geografia, os
problemas da Física, as nuanças das Línguas Estrangeiras, os casos da
Sociologia, os desafios da Matemática, os segredos da Química, as novidades da
Biologia e um sem-número de coisas que iam além da (nossa) vã Filosofia. Mas
havia outras áreas e ele, incansável, prosseguia...
Nada lhe passava despercebido: da arte rupestre à
arte contemporânea, da Tecnologia da Informação e Comunicação à Metafísica, da
Teologia à Cientologia, da Culinária à Mecânica, Hidráulica, Eletrônica, Moda,
Publicidade, Arquitetura, Medicina, Direito, Engenharia, Música, Ocultismo... e
tantos outros assuntos capazes de fazer um careca arrepiar sua peruca! Fato:
ninguém sabia mais do que ele. Seu QI era uma luminiscata!
Quem conseguiria memorizar tanta coisa? Eram
nomes, fatos, feitos, datas, leis, endereços, telefones, fórmulas, filmes,
livros, melodias... Só de pensar, qualquer um perderia o fôlego. Ou o juízo.
Falando nisso, algo de estranho acontecia: a memória lhe pregava peças.
Estaria, sua cabeça, cheia demais? Nas artes, por exemplo, confundia Monet
com Manet – o que era inadmissível! E depois de quinta-feira? O que
vinha mesmo? Sexta, sesta ou cesta? Ah! Problema,
problema, problema! Tinha medo, agora, de retificar e não conseguir ratificar
depois. Eis, pois, o (novo) drama!
E ninguém podia ajudar. Dependia dele – e só dele
– uma solução. Foi ele quem começou tudo isso, toda essa confusão. Coube-lhe,
no pouco juízo que lhe restara, uma ideia atroz:
“- E se eu me desocupasse das coisas sem
importância? Dos tempos de escola? Daquilo que não me serve, que ficou para
trás? Quem sabe eu não ganho espaço na cachola, para aprender um pouco mais?”
E assim o fez. Não seria difícil, pois o que lhe
veio logo à mente foi...
“- A primeira dor-de-cotovelo.”
Quem, diabos, iria querer lembrar a primeira
decepção amorosa? Não, não, não. Totalmente dispensável. E aproveitou para se
esquecer da segunda, da terceira, da quarta...
E, já que estava remexendo nos arquivos
descartáveis da escola, decidiu apagar as lembranças das notas baixas que
tirou, dos gols que perdeu, das briguinhas entre amigos, das vezes que ficou
sozinho num baile sem ter ninguém pra dançar, do sorvete que não provou –
porque alguma amiga mais afoita o derrubou no chão...
“- Pensando bem, era melhor apagar o nome dela,
também!”
Daí, foi um pulo apagar a primeira queda de
bicicleta, a dor de barriga por causa do bolo de chocolate quente que comeu –
sozinho, os presentes que não ganhou no natal, as queimaduras de sol no
carnaval, as dores de dente e de ouvido... Nossa! Quanta coisa inútil tinha
guardada na cabeça! E continuou apagando: o vestibular perdido, as broncas do
chefe, a primeira demissão, o casamento que não deu certo, as ressacas
titânicas...
... Até que não havia mais nada – ruim – para
esquecer.
Que maravilha seria essa notícia – se ele fosse
um cidadão comum. Mas, na situação em que se encontrava, sua conquista era uma
derrota. O que fazer? Havia ainda muito para assimilar, conhecer,
experimentar...
Só lhe restou apagar alguma coisa boa – mas nem
tanto – de forma a liberar espaço na cabeça. Mas o quê? Tudo parecia tão
importante! Não foi fácil decidir, pois quase nada lhe vinha à mente...
“- A primeira paixão.” – Pensou, depois de
escolher cuidadosamente.
Já fazia tanto tempo! E, hoje em dia, tantas
aventuras lhe ocorreram que não seria problema esquecer, por exemplo, o
primeiro beijo. De lá para cá, beijou tanto que também esqueceu o segundo, o
terceiro, o quarto...
Daí esqueceu as notas altas que tirou na escola,
os gols que marcou, as pazes após briguinhas bobas entre amigos, as vezes que
dançou com a garota mais bonita do baile... e um sorvete que provou – porque
essa mesma amiga, apaixonada, ofereceu-lhe...
“- Uma pena, meu bem... Mas é preciso apagar o
seu nome também.”
Foi preciso apagar a lembrança de quando aprendeu
a andar de bicicleta, do bolo de chocolate que comeu – sozinho, dos presentes
que ganhou no natal, das brincadeiras ao sol no carnaval, do alívio que sentiu
após sair do dentista e do médico... Nossa! Quanta coisa (ainda) tinha guardada
na cabeça! E continuou apagando: a aprovação no vestibular, os elogios do
chefe, o primeiro salário, a festa de casamento, os porres homéricos...
... Então, cada vez mais tentado, foi esquecendo
uma coisa aqui; outra ali. E assim foi o resto de sua vida. Apagando, apagando,
apagando... substituindo, substituindo, substituindo... aprendendo, aprendendo,
aprendendo... Até responder TODAS as perguntas.
Menos uma:
“- Quem sou eu?”
(Guilherme Ramos, de 04/08/2010, 20h41 até
11/09/2010, 16h30. Para Hedissa, pela inspiração repentina... e para Hannah,
nossa filha, que hoje faz 4 meses!)
3 comentários:
Lindo amigo!!! Abraços!!!
uau!!!!!
ameiiiiiii
em prosa..e sei que vc nao costuma escreve-las.
ficou fantasticoooo
bjus meu escritor predileto
Muito bonito, adorei!!!!
Postar um comentário
Sua participação aqui é um incentivo para a minha criatividade. Obrigado! E volte mais vezes ao meu blog...