quinta-feira, 1 de maio de 2008

Temporada de insônia (alguns dias de (des)GRAÇA)

(Julien Costa*)


Dias molhados de sol, noites pingando estrelas no meu quintal, uma interminável insônia latejando a alma, sonhos e sonos interrompidos pelo estrangulamento dos lençóis, tinta despejada, espojada no papel, caligrafia bêbada, enfadada, métrica convexa, versos côncavos, estrofes vazias de poética, inundadas de críticas por todos os lados, a desordem organizada do caos.

Luz de abajur, de vela, lâmpada do banheiro, refletor, holofotes, quarto âmbar, azul enluarado na vidraça do sorriso guardado, brasa vaga-lume artificial, vermelha fumaça que lembra neblina que quase sempre não permite ver, silêncio... De repente escuridão uterina, nascimento avesso, todas as luzes estão dormindo, os grilos cochicham no telhado, barulho estranho... relógio digital, apenas um bip de hora em hora só para alertar que o tempo passa - e que outros existem - que a terra gira assim como os ponteiros de um relógio - e isso é sinal de que o sol completará mais uma vez sua rotação...

Talvez, quem sabe, se na casa vizinha os outros dormem, sonham, ou fingem dormir e vivem pesadelos acordados?

Será que essa temporada de insônia é algo passageiro, é inquilino em mim? Ou sou eu um passageiro da insônia e meus rascunhos literários são os pagamentos das madrugadas mornas de suor com gosto de lágrimas? E tudo que faço é uma espécie de sonambulismo ao inverso, que se traduz em letras minúsculas, ortografia errada e inquietação?

Queria beber pingos de chuva e diminuir a acidez dos meus lamentos, queria banhar-me de lama, me sujar de sorvete, passear na infância apagada de minha memória, correr pelado na terra dos meninos, refazer uma viagem crônica na busca das “Heloísas” que perdi no chão de terra rachada, gostaria de libertar-me do cárcere da ansiedade, queria ver, pelo menos, por mais uma vez, alguns que se foram e esquecer definitivamente muitos que ainda se fazem presentes (muitas vezes, mais ausentes que os mortos).

Exatamente quando estou sem fé e cheio de angústia, lembro de um trecho de um dos textos do “santo” Bernardo que diz: “Se desejardes viver nesta casa, é necessário deixar fora os corpos que trazeis do mundo; porque só as almas são admitidas nestes lugares e a carne não serve para nada”. E me pergunto como expelir de mim (casa de minha alma) corpos entranhados nas vísceras, sedentos de minha carne, do meu sangue, da minha carência-porto-inseguro? A minha habitação é labirinto e viver sem nossos preás que alimentam o (nosso) narcisismo fantasiado de solidão, seria no mínimo, minimalista a vida; seria seca-vida-seca e os sentimentos seriam sertão e todas as histórias seriam incompletas e não só Deus escreveria em linhas tortas e todo canibalismo caeté seria justificável, pois viemos do pó da poeira do sertão, mas nos tornarmos carne. Já fomos preás e apodreceremos para degustação dos carcarás imaginários (tão reais) à espreita do sono eterno. Então, só por segurança, essa noite não irei dormir novamente...

(JULIEN COSTA, MADRUGADA DE 05 DE ABRIL/2008)

(*) Especialmente inspirado na 2ª temporada do espetáculo "Insônia", produção da Cia Teatro da Meia-Noite/AL. Texto disponível em www.diariodebordel.blogspot.com. Visitem! Meu amigo (e irmão-de-artes) Julien tem muito a mostrar pra vocês! Até a próxima!

1 comentários:

Cristiana Fonseca disse...

Lindas palavras, belo poema, bela madrugada
Beijos
Cris

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