terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Um Último Caso

Para mim, um agente do Departamento de Polícia de Londres, os dias eram todos iguais: perseguir alguns suspeitos, interrogar outros, dar uns tiros, procurar provas, fazer um relatório, voltar para casa, inventar mais uma “desculpa” que justificasse o atraso para o jantar, os machucões e as roupas estragadas para minha esposa Christine, tomar um bom banho quente, beijar minha filha Regina e “tentar” dormir*.

Sempre a mesma rotina...

Como não conseguia dormir direito, saía de casa tão cedo que minha família ainda não havia acordado e voltava tão tarde que todos já tinham se recolhido. Por essas e outras, minha vida conjugal não estava lá nenhuma maravilha. Christine já falava em separação, pois tinha medo do que poderia vir a acontecer comigo. Sua maior preocupação era o bem estar da filha, que nunca sabia se iria ver o pai voltar (vivo) para casa.

A vida de policial estava deixando a todos nervosos. Prometi tirar umas merecidas férias e, talvez, assumir um cargo “mais burocrático” no Departamento. Bastava apenas resolver um último caso...

- É apenas um caso. Só mais um caso... – Pensei.

Era uma noite chuvosa de sexta-feira. Parecia ser uma noite igual a tantas de minha vida, exceto pela chuva. Nunca havia chovido tanto em Londres. Não poderia ser pior: eu e outros policiais conseguimos algumas pistas sobre a localização de um perigoso assassino.

Sete crianças já haviam sido assassinadas e uma oitava estava desaparecida. Segundo um telefonema anônimo, esta fora vista correndo próximo às docas, perseguida por um homem alto e muito estranho, vestido de negro.

O grupo se dispersou.

Lá estava eu, sozinho, de arma em punho, a procura de alguém que não sabia quem era. Um verme que transformou a vida de sete famílias em um inferno. Imagine! Sete crianças, mortas! Eu precisava pegar o desgraçado, afinal também tinha uma filha. Sabia da dor que os pais das vítimas estavam sentindo. Eu só poderia deixar as ruas depois de limpar essa “sujeira”...

Não demorou muito e parei de me esconder. Eu sabia que estava próximo de meu objetivo e que o assassino já me tinha sob seu olhar. Mais alguns passos e entrei num grande e velho galpão abandonado.

A porta fechou-se, num estrondo. Mantive o sangue frio. Procurei uma área mais iluminada e esperei.

- Por que não deixa a criança ir embora e se entrega? – Perguntei.

- Por que existem estrelas no céu e grãos de areia na praia, Max? – Respondeu o procurado.

Fui em direção da voz.

- Não precisa me procurar, Max... Eu estou bem aqui, na sua frente... – Retrucou o assassino, aparecendo sob uma plataforma, acima de mim, com uma faca no pescoço de uma linda garotinha, loira – de uns cinco anos – nos braços.

Olhei para cima e, enquanto me aproximava e subia uma escada, procurei ganhar tempo:

- As estrelas existem para ser vistas e admiradas, mas nunca poderão ser tocadas. A areia pode ser tocada, mas se for retirada de seu lugar de origem, perderá seu valor quanto praia... Assim é essa criança. Tirando-a de seu lar, você a faz perder o carinho dos pais, as únicas pessoas que poderão cuidar dela e torná-la...

- Feliz? – Perguntou meu oponente. Besteira! Não tente me enganar com suas palavras bonitas, “Mad Max”... Isso não vai ajudá-la! Seu destino está traçado! Ela vai morrer! E vai morrer agora!

- Nãããããããããããããããããããããããoooooooooo! – Eu, que já estava bem perto, disparei minha pistola. Os tiros abalaram a estrutura de madeira (bastante velha) onde estávamos, fazendo-nos cair, antes do assassino concluir o golpe com a faca.

Eu levei a pior. Grande parte da plataforma caiu sobre minhas pernas, imobilizando-me. Procurei por minha arma, mas ela foi perdida. Meu oponente era bastante ágil e, inacreditavelmente, não sofreu um só arranhão. Rindo, aproximou-se, ainda com a criança nas mãos... Morta.

- Está vendo o que é o destino, Max? Ela tinha que morrer. Não sou eu ou você quem controla isso, meu caro.– Falou. Deu uma breve pausa e, olhando para minha mão esquerda, esboçou um sorriso – Ora, ora... você é casado! Que promissor...

Tentei soltar uma piada, esperando que meus amigos chegassem logo, mas era evidente minha preocupação com a família:

- Nada disso, amigo. É só pra fazer charme. As mulheres adoram homens comprometidos...- Falei.

O assassino soltou uma gargalhada.

- Um comediante? Um policial com bom humor! Os tempos mudaram... Pois bem, Max, vejamos como encara o meu humor... – concluiu, segurando o corpo da criança pelos cabelos e cortando-lhe seu pescoço.

Enquanto o sangue jorrava sobre mim, novos golpes foram desferidos sobre o corpo, já sem vida, da garota. Ele arrancou as orelhas, o nariz, os cabelos, os olhos... Era uma cena terrível, em contraste com a alegria doentia do lunático. Por fim, jogou o corpo ao meu lado.

- Não é incrível, ter o poder da vida e da morte nas mãos, Max? – Falou, aproximando-se. - Você tem a vida. “Eu sou a morte”. Agora, chega de espetáculo. Sou um homem ocupado, sabia? E você ainda tem que dar um jeito nessas pernas... Adeus, Max! Até a próxima ação do destino... E ela pode estar tão “perto de você”... – O homem desapareceu nas sombras.

Eu estava muito ferido. Acabei por desmaiar. Algum tempo depois meus colegas chegaram e me levaram ao hospital. (Sim, a “cavalaria” sempre chega atrasada...)

Não era apenas um simples caso...

E, definitivamente, eu não era mais o policial eficiente de antes. Mesmo contra minha vontade, meu posto foi passado a outro e fiquei apenas como um inspetor de segurança. Ah, os “tão temidos” Assuntos Internos...

Após sair do hospital, vi que minha vida mudara também em casa. Christine foi embora. Preocupada com o bem estar da filha, mudou-se para Los Angeles. Explicou tudo numa carta. O casamento havia acabado.

- Bem, foi melhor assim. Pelo menos elas estão seguras... – Pensei.

Mas nem tudo foi tão bom assim. Já perdi a conta das vezes que passei horas e horas olhando a foto de minha esposa e filha. Comecei a beber, a fumar... Meu estado emocional, às vezes, é lastimável, numa profunda depressão.

Sem poder participar ativamente nos casos do Departamento, resolvi abrir um escritório de investigações particulares, em um apartamento no centro da cidade. Nas horas de folga, através de um acordo entre eu e Christine, passo bons momentos ao lado de minha filha, que vem de Los Angeles e passa alguns dias ao meu lado.

A vontade de ter Christine e Regina de volta nunca saiu de minha cabeça. Quem sabe um dia, quando os pesadelos deixarem minha vida e o fantasma daquela noite maldita de uma sexta-feira chuvosa puder ser apagado de minha lembrança...

Max Sheldon.
Detetive Particular, pai e, atualmente, Investigador do Sobrenatural.
(Penrose, 958, Londres, UK).

(*) Desde pequeno, Max (Maximilian Sheldon) tem sempre o mesmo sonho: ele se vê andando por uma trilha tortuosa e deparando-se com muitas crianças pequenas pedindo sua ajuda desesperadamente, como se fugissem de alguém muito mau e poderoso. Com o tempo, se vê cercado e é atacado por elas, que, no esforço para serem salvas acabam por feri-lo e arrastá-lo para as sombras... Num grito, ele acorda chorando e passa boa parte da madrugada com medo de pegar novamente no sono. (Daí, o apelido de “Mad Max” por parte de seus amigos de trabalho. Boatos mais tarde e, no submundo do crime, cogitou-se a origem do nome por causa de sua dedicação e “linha dura implacável” contra os malfeitores. “Cuidado com o Mad Max! Ele não dorme! Está nos esperando, como um demônio... e vai nos levar para o Inferno!” – dizem alguns. Nada mais cômodo. Max acabou ganhando a admiração de uns, o respeito de outros e... bem, dá pra imaginar o resto não é mesmo?)

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