terça-feira, 1 de outubro de 2013

Pária


Vazio. Extremo. Externo-interno. Como se nada me preenchesse mais. Nem ideias, nem ideais, nem oxigênio. Sou um corpo morto, andarilho por teimosia. No peito, não há sequer resquícios do que outrora foi um coração. Energia? Talvez no cérebro, mas o suficiente apenas para ativar meus sentidos mais instintivos. Andar. Mover-me. Deslocar-me. E a fome... Ah! A fome. Dessa tenho lembranças constantes. Sede também. Mas sede é uma espécie de fome. Líquida. Vontade de sorver cada gota do desejo que me ficou preso à garganta. Assim como você. Meus sentimentos. Por você. Seus sentimentos. Por mim. Nossos sentimentos mortos-vivos, mais mortos do que vivos, mas ainda presentes. Queiramos ou não.

Meu corpo se desconstrói a cada instante. Minha alma vagueia vadia sobre nós. Penada, largada, qualquer coisa assim. Sem você, tudo perde o sentido. É muito vão, fútil, desnecessário, até. Mas tão sedutor a meu ver... É irresistível. No sangue, há sempre uma lembrança. De você. Do tempo em que estivemos juntos. Como um só. Como não devíamos ter sido. Memórias assolam minha mente, que mente, propondo-me desejos que não deveria mais ter. O que se passa na cabeça de um pária como eu, não se compara à sensação de vazio constante. Quando nada mais importa.

Dor. Não existe. Há uma estranha sensação. Um incômodo constante. Já nem sei explicar. As palavras começam a ficar menos importantes. Mais difíceis. De se unirem e formarem expressões inteiras. Expressar-se? Para que? Para que palavras, quando se vive além da vida? Além da morte? Além. De alguém. E sozinho, sigo. Para onde, não sei. Mas não há luz. Apenas sombras e escuridão. Se é o inferno, ou algo pior, também não sei. Só sei que não há calor. Apenas frio. Profundo. Cortante. Constante. Mas meu corpo pouco se importa. Não há mais vida para se viver. Não há morte. É um eterno andar e seguir. Sem parar. Num caminho sem fim.

Aos poucos, vejo que não estou sozinho. Há outros iguais – se não piores – a mim. Cada um no seu caminho. Solitários, seguem cegos, surdos e mudos, no seu mundo sombrio. Mas porque eu os vejo? Será que eu sou diferente dos demais? Talvez. Talvez ainda reste uma esperança para mim. Talvez não tenha chegado a minha vez. Talvez. Ainda posso voltar? Recuar? Revisitar-me? Ressuscitar-me? Deixar a pós-vida que tanto me acompanha? Não vejo razão para não tentar.

O vazio se preenche. E se deixa levar. São espaços tão cheios de vontade de mudar que não se permitem identificar. Uma estratégica ironia do destino para nos dizer: “ainda estamos vivos...”, apesar de todo o mundo dizer o contrário. Querer o contrário. Então, sejamos também contrários. À situação. Somos o que queremos. Mas... Queremos ser o que somos? Eu, não. Particularmente, estou em fase de regeneração.

(Guilherme Ramos, 30/09/2013, 13h31.)

Imagem: Google.

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