quarta-feira, 3 de abril de 2013

Aquela Blusa





Saudade.

Saudade é quando acordamos e, olhando para o lado, procuramos por alguém e só encontramos algo. Quando nos deparamos com aquela blusa simples, escondida por trás do travesseiro, meio que disfarçada pelo lençol amarrotado, fruto de uma noite anterior. Ah! Aquele cheiro, meio perfume, meio gente, numa mistura de gêneros e desejos que nem sei explicar.

Sei sentir. Sei lembrar. Lembrar de como aquela blusa vestia bem. Como ela envolvia seu corpo, deixando à mostra apenas ombros, braços, numa quase poesia visual. Mas era inspiração demais até para o melhor poeta. Porque aquela pele era muito mais que prosa. E o romance que nos envolvia – noite e dia – era uma história sem fim. Até o momento de acordar.

Seis e quinze. Isso não era hora de amante acordar. Isso não era hora nem de um ser humano normal acordar! Era hora de galo cantar. Acordar os outros. E eu, que ontem tanto cantei de galo na frente de todos, hoje, fico meio frango, meio pinto, sem saber o que fazer. Perdido num ninho que mais parece de cobras, quando antes era só de amor.

Você deixou quase nada. Só a blusa ficou. Por quê? E repito, por que, com tanta coisa para esquecer, você deixaria logo a blusa? Logo a blusa! Aquele manto sagrado que lhe envolvia, me excitava e a tornava minha, para despi-la a hora que eu bem quisesse.

Fetiche? Talvez. Mas nenhuma outra roupa lhe caía tão bem. Ok, ok, todas as suas roupas lhe caíam. Eu mesmo as tirava. Numa tara que nem eu – e nem você – saberia explicar. Era coisa de bicho. Era você chegar, soltar um sorriso, me dar um beijo... e pimba! Tesão em ação! Amantes ardentes, sem mais delongas, nus sobre o tapete, o sofá, a cama. Muita cama. Depois, chuveiro e, depois, mais cama. Porque nunca era demais. E a gente sempre queria mais. Como se o mundo, simplesmente, fosse acabar.

Na hora do gozo, da “pequena morte”, como dizem os franceses, o tempo parava. Você tremia, tremia, depois esperneava, pedindo para eu não me mexesse. Apenas... pulsasse. O máximo que eu pudesse. Aí, colocava sua blusa sobre os olhos, arquejava-se para trás, me apertava com suas pernas grossas e soltava um sorriso tão gostoso, que dava vontade de congelá-lo numa foto 3D e reproduzi-la por toda a casa, para não perder você – e toda a sua alegria – de vista.

Mas hoje, eu a perdi. Não só de vista. Mas de vez. Não me lembro do que disse, do que fizemos – nem sei se fizemos. Apenas o vazio. Da cama, do quarto, da casa. Nada aqui é a mesma coisa sem você. Não que você fosse tudo na minha vida ou que eu fosse tudo na sua, mas a certeza de que nos fazíamos bem era evidente. Por mais que ninguém soubesse que tínhamos um ao outro.

Esse segredo, guardado a sete chaves de nossos conhecidos e familiares, talvez, somente talvez, fosse o grande responsável pelo nosso bom convívio, pela felicidade inabalável. Mas aí, veio o desejo de tornar tudo público, o sonho de ser família, a vontade de mandar nossos ex-amantes para o inferno... – ou para a puta que pariu, que era mais longe e quente – parece que esfriou a relação. Tenho lá minhas dúvidas. Mas preciso de uma desculpa para diminuir a dor.

Álcool, remédios, homeopatia e putaria também poderiam me ajudar. Mas... Quer saber? Cadê a porra da blusa? Ah! Está aqui. Vou ficar na cama, agarrado a ela. Vou cheirá-la até arrancar todo o seu cheiro. Até que ele fique encruado em meu cérebro e se transforme numa imagem sua, nua. Pronto. Pra tudo. Masoquismo? Não. Eu me conheço e lhe conheço muito bem.

Você vai voltar.

Se não por mim, pela blusa.

Afinal, ela é sua favorita...

(Mas eu também.)

(Guilherme Ramos, 03/04/2013, 22h58, após ler um trechinho de Caio Fernando Abreu, que causa tontura/epifania à minha amiga, Ágatha Salcedo... Valeu a inspiração, A Gatha! Rsss...)

[O primeiro conto da série... "Sobre Mulheres e Fêmeas"... Isso vai dar um livro! Rsss...]

Imagem: Google.

3 comentários:

Anônimo disse...

Espetacular, amei o texto. Continue escrevendo belissimamente.

Unknown disse...

Achei seu blog num comentário num outro site...belo texto..visualizei cada cena.. voltarei mais vezes...

Guilherme disse...

Obrigado! Volte sempre!

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